O tempo não existe

as horas

enlaçam tempos inamovíveis

de cores ausentes

de pássaros aliciantes

de um infrangível escuro

levantam-se fatigadas pelo vício

erguem-se de enganos infinitos

roazmente

e vão envelhecendo

até morrerem na ruína do ontem imediato

principiam e oprimem noites e dias

o ínfimo instante

entre a propositura e a diluição de um ato

de fato

não há passado

nem presente

nem futuro

O TEMPO NÃO EXISTE!!!

o tempo é discriminação mental

onde chora, aflito, o homem

é segregação racional e mendicante

fazendo da vida um ritual agônico

acidental e mortal

que em nós coabita

na mente que mente para a mente

e ela própria acredita

assim como a erva daninha no jardim se habilita

antes do advento da agonia das horas

havia somente o momento da agonia

imanente à existência

dormia-se quando se tinha sono

quando se tinha fome comia-se

sem o cacareco enfadonho

de um tempo a nos matar

de ansiedade

ou de um suicídio a vagar

os instantes

não escorrem das ambulas das ampulhetas

nem vertem inclementes das engrenagens dos relógios

os instantes petrificados no tempo

emanam da insanidade

e do delírio humano

de tudo querer controlar

um milésimo de segundo

o transcorrer de um dia

tanto faz para a poesia

para a árvore

para a idéia primordial da rosa

para o rio que segue um curso

sem motivo qualquer

sem pressa, nem vagar

sem tempo

segue só por causa da topografia

que o arrasta até o mar

sem hora para chegar

tanto faz para a borboleta

se estamos em 2015

ou se faltam tantas prosaicas horas para o jantar

o cachorro sarnento

ou dentro de um apartamento

abanando suas pulgas

sonhando com osso

não faz a menor noção de que dia é hoje

é preciso despir-se da violência das horas

trescalada nos milênios de medo e de solidão

é preciso viver palavras e gestos

mergulhar no rio oracular de si mesmo

e deixar-se levar

até o mar

molhando-se na morte necessária

é preciso comer a fome ensandecida

por mais um punhado de vida

que traz em si o aceno da despedida

é preciso jogar fora os números insanos

e exauridos dos relógios

a ambiguidade das datas

e a perversidade dos calendários

é preciso distender-se sob o relento enovelado

estar presente quando a sina chegar esquecida

e nos chamar

e chegar a Verdade, talvez, canhestramente

talvez ingente, insonte e enxerida

enquanto uma criança

sem tempos a lhe consumir

com seu regadorzinho de plástico

dá de beber à sede vetusta das pedras

e depois as põe para dormir