Veneza
Alfred de Musset (1810-1857)

Em Veneza a vermelha,
Nenhum barco aparelha;
Nem pescador, no mar,
Se vê pescar.
Só, sobre o cais sentado,
Vela o leão do Estado,
Que ao horizonte adianta
A brônzea planta.
Ao seu redor, qual bando
De cisnes repousando,
Alinham, numerosas,
Naves airosas.
Dormem na água, que fuma,
E cruzam sob a bruma,
Em leves convulsões,
Os pavilhões.
A Lua, que perpassa,
Desmaia a fronte baça,
De uma nuvem ‘strelada
Meio velada …
— Como de Santa Cruz
A madre o seu capuz,
Sobre o rosto descai,
Que lho retrai.
E os palácios vetustos,
Os pórticos augustos,
Dos grande as escadas
Ornamentadas,
Mais as ruas, as pontes,
As estatuas e as fontes,
E o golfo, que o vento
Faz turbulento,
São mudos! … Só os guardas,
De longas alabardas,
Vão e vêm nos portais
Dos arsenais.
— Ah! quanta bela, agora,
Moço gentil que adora
Espera na janela
Que venha vê-la …
Outras ao espelho, entanto,
A mascarilha e o manto,
Para o baile a que vão,
Ajeitarão.
No leito perfumado,
O amante idolatrado
Vanina abraça ainda
Dormindo, linda.
Narciso, a louca altiva,
Na gôndola, lasciva,
Aturde-se na orgia
Até ser dia.
Mas quem, na Italia, um pouco,
Oh Céus! não tem de louco?
Quem não dá ao amor
Da vida a flor?
No palácio do doge,
Conte a hora que foge
O relógio cansado,
Em tom magoado …
Deixemo-lo, formosa!
E em tua boca sequiosa
Contemos beijos dados …
Ou perdoados.
Contemos teus encantos
E mais os doces prantos
Das horas de langor
Do nosso amor!
 
Alfred de Musset
Enviado por Tânia de Oliveira em 17/07/2015
Reeditado em 17/07/2015
Código do texto: T5314357
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