Apenas Faça!
Apenas faça!
Onde a força e ousadia
Explodem como o nascimento de uma estrela
No meio do vazio e escuro imenso,
Como uma estrondosa gargalhada
Na face do tempo que começa
A devora-lo desde que surges,
Apenas faça!
Deixe que as frenéticas línguas póstumas
Cumpram seu papel medíocre
De dar propósito aos feitos dos que criam,
Deixem que os caducos resmungões
Frígidos e estáticos
Julguem tuas ações em seus castelos herdados,
Apenas faça!
Não pense para onde, para quê
Ou para quando,
Não pense em quantidade, qualidade,
Valores físicos quaisquer, estrutura
Ou suporte, não pense
Apenas faça!
Proclame a desordem agora
Coloque a luz em olhos escuros,
Chama lúdica em almas apagadas,
Não desenhe arco-íris separando em fila
Caminhos solitários de cores
E sim misture as cores existentes e não existentes
Na paleta de um pintor ébrio que nada segrega
Desenhando o quadro mais expressivo
Da mais absoluta liberdade de tudo
E exponha aos cegos, que deixaram os olhos em conserva,
Crie música para doutrina surda
Com estômago de urubus nas orelhas,
Escreva uma peça para os atores mudos
Que agem no mundo feito robôs de carne
Tendo a pele cada vez mais dura
Em uma necrose sintética de não sentir
A cada ordem que recebem para apertar o botão,
Dê as fibras que encordoam teu coração
Para todos que passarem por ti,
Muitos irão usa-lo como lira
E ouvirá melodias nunca imaginadas,
Outros usarão para te enforcar
E quando sentires o nó na garganta
Desate-o na ironia de uma comédia
Pois a maldade é a matéria prima
Do engenho de ser jocoso,
Ataque com a arma da arte
E destrua criando o belo,
Não abra portas, há muita etiqueta nisso,
Arrombe paredes, como Brecht,
Fazendo o mundo olhar para o belo e o terrível
Feito um anjo de Rilke,
Ame tuas dores, pois elas são prova de que sentes
E de que está vivo,
Então procure novas espécies de dor
Que achará em ti e em quem tiver o peito aberto
Novas espécies de viver nessa única vida
Que escorre por tuas mãos numa dança ébria,
Extirpe qualquer esperança de um amanhã,
Qualquer glória de um passado,
Ame o momento que tens, o agora,
Perca bastante tempo saboreando
Vagarosamente as coisa inúteis
Pois são obsoletas por terem o valor em si
Ao invés de serem algo que serve algo
Como qualquer coisa útil,
Porém coma de forma enlouquecedora
Tudo que ver pela frente
Tendo gosto bom ou ruim
Digira tudo, e em um dilúvio antropofágico
Devolva tudo da maneira mais subvertida,
Não se apegue em ser frentista
Do posto da nostalgia
Abastecendo teus momentos felizes
Para ter lapsos de felicidade,
Coloque a nostalgia em uma estante
Guardando o que foi bom para tirar pó
Na idade de domingo, colorindo o crepúsculo da vida
Quando já tiveres vencido por teu corpo
E se tiveres fôlego ainda faça tudo novo
Até o silêncio te abraçar,
Apenas faça!
Brinque com a natureza do sucesso
Se não o tiveres jamais serás um decadente
Pois nunca esteve em ascensão
Então serás um magnífico e intocável fracasso,
Se tiveres o sucesso então suba mais alto que puder
Pois a queda terá muito mais adrenalina
Feito brinquedos perigosos de parque de diversão,
Faça suas obras para os olhos das árvores,
Das pontes de concreto, dos coretos de praça,
Dos pássaros nos fios, dos andarilhos dormindo nos bancos,
Deixe que venham a ti quem for
E sentirás o beijo da brisa que lhe agradece
E aquela sensação que nada se assemelha com dever,
E sim com o devir,
E não com "estar fazendo sua parte", ou quaisquer dessas besteiras,
Mas sim aquela sensação
Que o artista sente quando termina de executar
Qualquer que seja sua obra,
Não é nada além dessa sensação que buscamos e temos
Como algo que chega ao seu total
E vai se esvaindo depois de pronto
Como sangue que erra de veia,
Como o langor pós-orgasmo
A nadificação que flutua no âmago
Presa por uma corda emaranhada
Do teu nome com o nome daquilo que fez
Até a lança do desejo arrebenta-lo
E começar um novo processo de concepção
Almejando um novo parto, um novo prato,
Um ciclo vicioso que espera seu ponto culminante,
Não espere por nada,
Faça propósitos de agora
Pois o único propósito do futuro é morrer,
Esse é teu ponto culminante,
Não fique sustentando-se de prudências
Para existir feito monumento de museu
Que vive sendo restaurado com olhos de vidro
Sem si ver por dentro
Alimentando um desespero de ser visto por olhos reais
Antes de ser lacrado no quarto de despejos,
Não espere pela morte existindo,
Viva tudo agora com teu coração apressado
Zombando da morte em ritmo sincopado,
Seja como estrela que nasce em explosão
Seja inconstante como ela intensificando suas explosões
Hora pra dentro, hora pra fora
Sem ordem,
Se expanda como ela aumentando cada vez mais
Até se inflar ao máximo e tudo se explodir
Se apagando virando pó cósmico
Na vasta escuridão,
Mas não espere por nada,
Apenas faça!