Eterno

O vento sopra

caminhando entre enganos

e penumbras

e memórias

seus passos somem sob as folhas

que ele mesmo sopra e derruba

faz girar os cata-ventos

que girando catam o vento

e espalham pelo ar momentos calados

idênticos em propositura

inventando ocasos e auroras

das nódoas coloridas e indefinidas do ar

demasiadamente puras e inocentes

inefavelmente belas

feito bolhas de sabão

ardendo inigualáveis infâncias

fitando o viandante com olhos de mistérios

imprecando num caminhar cúmplice da cegueira

na estrada maltrapilha que não se mostra

com tanto passado atravessando perguntas

suplicando candura e aceitação

a morada é longe

e apenas a promessa do retorno

goteja e lhe dá dignidade

são repousantes as águas do regaço

indo embora...

indo embora...

outra vez

fugindo para os bosques

onde cabem o outono e suas luzes amenas

os pássaros que vieram de longe

e a neblina que os trouxe

cabem os poemas vagarosos

límpidos como campos em silêncio

suavemente olorosos

enternecidamente amorosos

incontidos como as chuvas

batendo nos telhados de telhas de barro

escorrendo nas janelas amarelas

curtinhos como a luz limitada das candeias

imensos como as vidas eternas

levíssimos como dentes-de-leão

com suas florezinhas delicadas espiralando

desafiando o ar

cabe o fim de tarde sem girassóis

a noite sem estrelas,

sem fé

cabe o rodopio do mundo

as contumazes madrugadas palreando egolatricamente

de onde voltar não é mais possível

cabe o pensamento e a forma

a pulsação das flores

as folhas arrebatadas

as corolas pueris

os caules aveludados

as cores esplendorosas

pois que tudo está em tudo

e tudo está no Eterno