Sinfonia das Janelas
Se a janela não existisse
talvez não existisse a vista
do quadrado ao meu lado,
que dá pra outros quadrados
onde piscam luzes
na bizarra sintonia do tempo humano.
Tem certamente alguém, numa das janelas
alguém muito exausto; trabalhou além da conta;
vai acordar cedo, para a máquina rodar de novo.
Em outra um casal janta.
Baixou a persiana.
comiam sob camadas.
Tentei discernir, não deu:
a silhueta unia-se além da discriminação.
Sob alguma dessas luzes obstinadas
tem alguém se preparando para o amanhã;
deixa pra lá o presente,
dedica-se a construir,
e mal sabe que ainda pode nevar, chover, esquentar
ventar e derrubar tudo.
Pra cada janela existe uma luz,
pra cada luz existe um chave,
pra cada chave existe um dedo,
e um milhão de motivos para ligar e desligar.
Nada mais incerto que a sinfonia das janelas.