ESTA NOITE CHOVEU...
Esta noite choveu. Imagine, choveu...
Eu devia estar feliz, mas não entendo,
e às vezes não sei nem mesmo se sou eu
que assim nessa tristeza vou me mantendo.
Esta noite choveu. E agora sob as mantas
aceito o convite do sono e a languidez
que aos poucos me apaga as ilusões tantas,
mas vem o sonho e a sua total insensatez...
Penso que amo cada vez mais a noite.
Não, não sou boêmia, quem me dera fosse!...
É que posso sonhar sem medo d’algum açoite,
mas não do vento que a chuva de verão trouxe...
Mas a verdade é porque sei que “ dormindo,
os problemas [me] dispensam de morrer”
e eu nem preciso mesmo ficar fingindo;
e tudo que sonho eu posso simplesmente ter.
Mas esta noite choveu. Senti tanta saudade
de dormir em algum peito minha nudez...
Mas a indecifrável renúncia me invade
encobrindo meus segredos e essa escassez...
( Grifos: Carlos Drummond de Andrade)
( Imagem: google)