TARDE DE VERÃO

 
Tarde de verão é assim: inércia total...
Não há nem uma brisa que passa,
embora se tenha a impressão
de que ela passa e que as folhas farfalham.
Mas é tudo ilusão e tudo fica tão imóvel!
Até o pensamento... Exceto os sentidos...
Porque penso serem eles que nos trazem
essa ideia de ilusão...
E a gente tem a ilusão que quer.
Até de que a brisa passa...
Então penso em Pessoa
que não tinha filosofia, mas tinha sentidos.
E foi ele mesmo quem disse:
fôssemos nós como devíamos ser
e não haveria em nós necessidade de ilusão...
Bastar-nos-ia sentir com clareza ...”
Então é por isso que sinto essa tarde de verão,
sentindo como nunca senti antes
esse calor quase insuportável,
olhando as folhas quietas de meu quintal...
Graças a Deus eu sinto
e também não tenho filosofia...
Talvez seja por isso que eu escrevo.
Mas não sou como Pessoa
embora seja uma pessoa
que ainda tem muito para sentir
numa tarde de verão...



( Grifos: Alberto Caeiro- pseudônimo de Fernando Pessoa) 



( IMAGEM: GOOGLE)