Alma de Pastor
  Alma de pastor conhece bem a dor
  Que do frio vem.
 
  Água sólida a bater no que a roupa
  Não conseguiu proteger.
  Faces e nariz avermelhados pelas
  Pedras de  gelo massageados.
 
  Lábios rachados.
 Pés inchados.
É o frio a castigar seu corpo e o corpo
dos animais que anda a apascentar.
 
 É a dor deles que dói mais.
 Sofre com os animais.
 Alma de pastor não se detém a pensar.
 Deixa-se levar por cada estação a chegar.
 
 Na primavera respira com as flores.
 Estufa o peito, e lá do seu jeito, vai
 procurar outra pastora que esteja
 querendo com ele casar.
 
  No calor do verão cresce o coração,
  como os talos dos vegetais floresce,
  Permite que nele desabroche o amor,
  a sua flor.
 
   E no estio, às vezes aparece o fruto
   do cio, e nascem crianças como nascem
   nozes nas nogueiras, castanhas nas castanheiras.
 
   No inverno veste-se de neve.
   Enrijece os músculos, petrifica.
    Só assim, petrificado,  será forte para ajudar o
    gado que lhe foi confiado.
 
    Mesmo ali, na pior estação, desconhece
    Amargura e doenças do coração.
    A mente deixa que vá passear com a brancura
    do lugar, quando o infinito parece mais bonito.
 
    Gado no curral bem alimentado,
    Um ao outro encostado.
    Fabricam calor, instinto de amor,
    Que jaz no gado e no pastor.
 
                                                Lita Moniz