Não dormem nunca esses poetas
No silêncio do sono autografado pelo cansaço
Na noite do dia mal aproveitado,
Quando as casas mergulham no inverno inconsciente.
Algumas luzes teimam em não apagar
Permanecem acesas como a espera da “visita”,
À espera do “fugitivo”.
A morte temporária é incabível
No significado místico da insônia,
Onde foge a obediência aos padrões religiosos
Contradizendo a própria ciência da religião.
O dia é um som confuso
O regresso à violência.
A noite é um trompete bem tocado
Entrando pela janela com o vento,
É o castelo possível onde moram os sonhos.
As palavras correm pelo chão
Perseguem ratos entre mobílias
Procuram papel e lápis no lixo,
Uma avalanche de pedras inspiradas.
A noite é uma mina de idéias
Onde escavamos o talento espontâneo
Em nome da verdade livre
E livre da mentira paga.
Vejo-me sentado sobre as pernas,
Artistas sobreviventes da memória predatória
Procuram nas ruínas do tempo
O que consideram importante e único,
Vagam pelos museus, bibliotecas e teatros.
Vieram conferir a preservação de suas obras.
Antes ficassem onde estão, inspirando os vivos,
Porque talvez sintam-se incompreendidos
E voltem amargando um anonimato póstumo.
Artistas atuais lançam ao vento
A semente de seus projetos,
Pensam em edificar uma ponte eterna
Entre o não-hoje e o não-amanhã,
Tornando a arte consumo não perecível.
Agora vejo-me subindo escadas,
Lá embaixo ouço palavras correndo no assoalho,
Ali em cima, como suor representado pelo brilho de uma ideia
Ouço os pingos da lâmpada caírem sobre a mesa
E sei que alguém também não dormiu ainda.
Ricardo Mezavila