Escrever nem uma coisa
Nem outra -
A fim de dizer todas -
Ou, pelo menos, nenhumas.
Assim,
Ao poeta faz bem
Desexplicar -
Tanto quanto escurecer acende os vaga-lumes
( Manoel de Barros in:O guardador de águas)
E por falar em poesia...
Na poesia não cabe explicação
Não cabe a perscrutação
Em cada verso
Nem a busca pelo subentendido
No olhar que busca a beleza
Do luar em noite de inverno
Ou no pôr do sol
Por trás das montanhas
E no arco-íris inesperado
Num fim de tarde
Não há razão
Não há pensamento
No momento
Em que o encantamento se dá
Pelo nosso olhar
Na alma a festa já se deu
Pois é lá o lugar
Do iluminado
Do que a emoção
Provoca de frisson
De arrepios
Indefinidos
E lágrimas súbitas
E silenciosas
Não tentem entender
O que não tem racionalidade
O que nos causa música por dentro
Não cabem filosofias
Nem citações complexas
Não!
A poesia é intraduzível
É na sua não-explicação
Que o verso incendeia
Deixa rastro no coração
Assim como os pirilampos
Festejam a noite
Sem nenhuma intencionalidade
Apenas são
Luz
E leveza
Daí a boniteza
Que nos põe perplexos
Diante do que é
Ao poeta não cabem subterfúgios
Nem aos versos
Competem siso
Ou responsabilidades
As palavras vivem de si mesmas
Estão aí espalhadas
Nos cantinhos da existência
Nos ocos do mundo
Nos lagarteares
Nos passos inexatos
Nas luzes bruxuleantes
Das ruas sem postes
ou nas folhas desorvalhadas
Pelos primeiros raios da manhã
As manhãs
Os pores de sol
Os arco-íris
O verde
O mar
Os cupinzeiros
As casinhas de adobe no meio do mato
Os passarim
Passarinhando pelo céu azul
Ou se camuflando nas folhas das árvores
Tudo vai passando
E pode se palavrear
Ou não
Tudo pode calar na alma
Virar poesia
Ou...
Ficar totalmente
Sem existência alguma
Pois o que existe de verdade
Passa primeiro
Pela não-palavra
Pelo silêncio
Pela emoção