ESPECTRO

Como sempre,

estamos deitados

em berço esplêndido,

E de olhos fechados

para o que está acontecendo.

Estamos de braços cruzados

vendo a água passar

sob a ponte,

mesmo sabendo

que elas não voltarão.

Perdendo a mão,

o compasso,

acostumados a trocar

as mãos pelos pés.

Como sempre,

estamos gastando demais,

sofrendo demais,

pra desfazer

as coisas erradas

feitas durante

um tempo

longo demais.

Perigosamente

estamos perdendo

a noção de liberdade,

nas casas,

nas ruas,

nas escolas,

nas cidades,

sem um herói

pra ensinar

como se grita

pela liberdade.

Depois de presos

nos próprios quintais,

agora somos incendiados

nos carros,

nos ônibus,

nas avenidas,

perdendo o direito

de ir e vir livremente.

É estranho,

trágico,

assustador,

atravessar sempre

o caminho

de uma bala perdida,

ser adicionados e esquecidos

nas estatísticas,

e nas banalidades da TV.

Estamos diante

de uma nova realidade,

de repente,

como uma autoajuda

com tantos exemplos,

estamos acreditando

que o crime compensa.

Compensando ele agrupa,

enriquece e seduz

meninos e meninas,

e se espalha

como uma epidemia.

Já estamos em estado terminal

e sem cura não só nos hospitais.

E miseravelmente

ainda não quebramos

o espelho que reflete

o tudo maravilhoso.

Espelho

espelho meu,

finja e me engane

outra vez,

agora com a bola

que rola.

É diante dele,

que destilamos

as nossas hipocrisias diárias,

teimosamente como se fossem

orações de amém.

É apenas diante dele,

que conseguimos criar

nossos monólogos fúteis

sobre as bananas.