Noturno

Sentado na varanda, meus olhos se abrem na escuridão

O cheiro do orvalho infla o peito de frescor

O vento enregelado perfura a pele quente

Num abraço impulsivo e indelicado

Recosto-me olhando para o céu sem me importar

O vento não incomoda mais do que as palavras ríspidas

Acendo um cigarro, num movimento distraído

Uma imensa janela para o infinito se abre no vão das nuvens

E eu me concentro no piscar misterioso das estrelas

No contar de tantas histórias e constelações

E eu me perco em tantas palavras e causos

E a minha mente se relaxa

E eu me perco no meio de tantos silêncios e momentos

E meu coração se distrai

Que venha a noite escura, forrada de olhos faiscantes

Que venha a noite fria, cerrada no nevoeiro do vale

Que venha a noite profunda, e fique, e penetre, e envolva

E eu me vou com ela, no passo gelado das horas

No caminhar soturno das matas

Viajo por dentro do breu de folhas, encostas e montes

Cruzo os regatos enegrecidos, os pés descalços na pedra fria

De olho nas ruínas dos tempos passados

Descanso nas olarias desertas no coração das serranias

E a solidão não me parece ruim

O silêncio não me parece tortura

E a vastidão não me parece distante

Por um momento, o próprio mundo se dissolve na noite

Abro os olhos contra o vento

E ainda estou aqui

Permaneço disfarçado na escuridão crescente

Noturno, perdido, envolto em devaneios e sussurros

Esperando o caminhar caprichoso das nuvens

E o retorno sereno das estrelas