Origami
Nós somos feitos de papel
Não foi do barro que viemos
Nem somos nós poeiras das estrelas
Sequer um aglomerado de células
Frutos de cálculos do Acaso
Não, o que nós somos
É somente celulose.
O nosso coração é um papel dobradura
O mais frágil e maleável
Quando se dobra em flor – diz-se que é amor
Quando se dobra em fogo– é que é paixão
E quando se dobra em asas – é porque sonha
E ei-lo sempre pronto e suscetível
A se tornar amasso, rasgo ou picadinhos
A qualquer toque humano.
O espírito é também papel – de seda
Que busca a transcendência
Lançando-se cada vez mais alto ao firmamento
Ganhando os céus como um balão
Pois a mesma chama de viver que o eleva
Também o consome.
O próprio deus é uma gigantesca cartolina branca
Cujo princípio e fim são vedados aos olhos do homem
E que a cada um é dado um pincel
Pra que nela se desenhe um rosto
À própria imagem e semelhança
(Embora muitos prefiram os traços
De um velho de barbas)
E não de hoje esteja em moda
Racionalmente rasgar a cartolina.
Mesmo o céu, a natureza e os animais
São também de papel.
Do céu – papel crepom esmeralda-
Que alguém um dia roubou do mar
E após torcê-lo um pouco
-Ele inda pinga vez ou outra-
Prendeu-o no teto do mundo
Com diversas tarraxas visíveis à noite.
Da natureza – ela é a matéria-prima papel -
E ultimamente não tem feito
Nada além de pegar fogo.
Os animais – do mesmo papel que nós.
Só que frequentemente banhado
No abominável vermelho-sangue
Da crueldade humana.
Os nossos filhos são também papel
Reciclado e reciclável – no seguir do curso
Que sempre contem um pouco
Dos muitos papéis passados.
Nossos governantes - de papel
Mas pela natureza de seus atos
-Papel higiênico-
Não é, portanto, de se assustar
Que muitos de nós se prestem
-Perdidos entre tantos papéis –
Ao papelão de ser
Uma cópia dos outros
E, por consequência, de si próprios
A qual, com o passar do Tempo
(ele mesmo a grande sucessão
De fotocópias-instantes)
Se torna cada vez menos nítida
Mais distante e menos fiel à folha original.
Surpreendente mesmo
É que toda a cultura de papel se dobre
A um papel pequeno, pequeníssimo
Cuja única dádiva é conter impresso ao rosto
Um número qualquer e um sorriso em “S” cortado
E que, por um louco amor a ele,
O homem declare guerra e destruição
A todos os demais papéis.
E se não fossem todas essas
As maiores verdades do mundo
Incontestáveis como as Escrituras
Por qual motivo existiria a expressão
De que o homem vem ao mundo
Para cumprir o seu papel?