A minha mão prá obra
É assim: ao cabo de meu braço, a pá.
Ao alto de meu pescoço, o robô.
Aos fins de meu peito, as juntas.
O rejunte do azulejo
À borda do agasalho
Reboca a cada pavimento
O oco do trabalhador.
Ao cabo do carrinho de papel, o guri.
Ao alto de seus olhos, a fome.
Aos fins do coração, a busca.
O reviro do embrulho.
À raspa da confeitaria
Devora a cada embalagem
O sonho enfardado do catador.
Ao cabo de si mesma, a mulher.
Ao alto de sua garganta, a angústia.
Aos fins de seu sexo, o pão.
O esfregar do dinheiro
À superfície da carícia
Rouba a cada tostão
O afeto da ama de si
Ao cabo de sua mão, a enxada.
Ao alto de sua testa, o suor.
Aos fins de seus pulmões, o veneno.
O carpir da seca
À lasca da fartura
Arranca a cada golpe
O alimento do cultivador
Ao cabo de seus dedos, o anúncio.
Ao alto de sua razão, o desespero.
Aos fins de seus dias, a negação.
O vasculhar da ausência
À sobra da opção
Desgasta a cada retorno
O homem de bolsos vazios
Ao cabo do fuzil, seus olhos.
Ao alto da disputa, o crime.
Aos fins das brincadeiras, a boca.
O estouro da bala
À beira da cidade
Derruba a cada esquina
O peito nu do menino
Sonho tudo num cubículo
Diminuto espaço de respiro
Estendo braços ao redor
As dores todas me tocam
Partilho o bê-á-bá
Suspiro
Ilusão do sufrágio universal
Borrei na lista da estúpida crença individual
À prática da luta ative o peito
E na torção das linhas retas,
Pude enfim olhar de igual.
Prá cada um daqueles, a força.
Ao alto de nossas dores, a resistência.
Ao resgate da cultura,
À proteção do alimento,
O romper da ignorância,
Reconstrói nossa esperança
Ao grito de nossa voz,
Extravaza a persistente angústia
À percussão de nossos acordes,
Despertamos coletivos
(superados enfim, de nossa constante inconstância falta de fé).