Análise

Hoje eu não amei ninguém

nenhuma pedra se quer

andei pelas ruas carcomidas de mim

e não encontrei um só vestígio do que eu era

amar feito o mar como só eu amava

e me tornar chuva nas horas vagas

acho que virei rocha

Topei comigo na rua e puxei conversa

não me reconheci

não consigo mais amar nenhum ser vivo

porque o eu que ama não é mais o eu que vive

e quando paro pensar em todo meu amor vivência

não encontro nada, apenas retalhos plásticos do que eu não me lembro

Quando eu me masturbo eu finjo que sou outra

as vezes finjo até que sou um homem

porque se eu fechar um segundo se quer meus olhos

e me deparar com a minha carne branca esparramada e nua

eu perco o corpo, eu gozo existência

pra me perder em tão longínqua terra

que me masturbar sendo eu é me masturbar sendo outro

Há vezes que eu me masturbo pensando ser um cachorro

O lado bom do gozo é que depois eu durmo

e vou amar aquilo que não existe

o sonho é plástico também, como qualquer realidade

como o benefício de não se perceber

Há dias que eu confio mais no que eu sonho do que no que eu vivo

se não há mais veracidade, há ao menos menos empatia

e se eu durmo, durmo sem sonho, vivo livre

e são nessas noites que eu me encontro

que coloco a conversa em dia de todos os meus eus

de forma que tudo faz sentido

e eu me torno una

ser original e supremo

mas eu nunca me lembro no dia seguinte