TRANSE PROFÉTICO

TRANSE PROFÉTICO

É dito:

_ A paixão move o mundo.

Cravo a caneta no papel,

pleno de ódio.

Abandona meu corpo, paixão maldita!

razão da minha desdita.

Cravo a caneta em minha pele,

busco reescrever a minha pré-história

do antes este coração traído:

contradição!

As minhas mãos só ganham um rumo,

um murro no rosto

marca dolorosa cicatriz do meu desgosto.

Abandona minha pele, meu coração, minha mente, meu espírito,

me deixa! transe profético,

fantasmagoria demente!

vá esparramar suas sementes em terras de Érebo.

Deixa meu cérebro, paixão cerebral!

Vendaval,

leva meus tormentos ao vento.

Arranho, rabisco,

me deixa! arranco este papel,

põe às avessas minhas vísceras!

O punhal cravo na mesa,

e no jogo do mata-mata firo minhas mãos,

ensangüentadas estão,

me deixa, maldita paixão!

sem coração,

só meu coração

sempre em febril oração...

Cínica,

traidora,

usurpadora,

megera,

cravo o punhal nesta tela,

paixão animal,

desabo do pedestal,

não respeita ao menos um altar,

por Átropos, Cloto, Láquesis,

mato-lhe, corto-lhe, cubro-lhe de punhaladas,

em sacrifício vai seu rubro véu

e lanço num imenso fogaréu.

_ Ó Pai, ó Pai, ó Xanto! meus nervos tremem nesta luta!

O cipreste, o loureiro, o vôo oferecendo presságios...

_ Ó Pai, ó Pai, por que vives a caçoar do pequeno deus do Amor?

Lembra de Dáfne!

Me salva desta inominável crueldade,

desta ré, da condenada e amaldiçoada que

vive a caçoadas daqueles que não contam com mais nada.

Ó maldita, você atiça a minha ira sombria e vingativa:

extraio, então, a punhaladas, esta ferida purulenta, fedorenta,

cravada em meu peito;

paixão zodiacal, inferno astral, arrebento minhas mãos!

meu peito macerado...

E você triunfa, sempre,

Senhora Paixão Violenta,

Senhora das Tormentas!

PROF. DR. SÍLVIO MEDEIROS

Campinas, é outono de 2007.