Quarto escuro
É absurdo, erroneamente estúpido, regado com doses excessivas de pensamento inescrupuloso achar que a cada palavra que escrevo, das tantas que jogo diariamente num papel vazio, porei sentimento. Arre, não crede nisso, caro leitor. Nem tudo o que escrevo, de fato, sinto... Quem dirá, então, a loucura de escrever tudo o que sinto.
Eu queria ter com as palavras todas a mesma intimidade que tenho com a dor, com descontentamento, com a saudade, com o angústia e com a falta de esperanças que cercam-me até quase sufocar-me.
Não! Eu não espero nada! Nada de ti e muito menos de mim. Somos ridiculamente humanos, fazemos parte dessa massa fútil tão fadada à escravidão de um sistema inacessível para todo um futuro real. Somos peças, os marionetes malfeitos, as cópias baratas de uma cópia mais barata ainda...
Não é que sou louco... Tem tantos outros mais loucos que eu - sim, realmente mais loucos que eu - a andar pelas vielas, despercebidos, prontos para se entreterem ao ver a desgraça humana afundando cada vez mais todos os sonhos que ainda ousam tentar sobreviver.
As vezes, tudo o que temos é um cigarro. Pegue-o, oras... Fume-o. Nada mais trará tanto prazer quanto saber que tu estás matando a ti mesmo, acabando verdadeiramente com todo o seu sofrer. Somado a isso, leva-te ao quarto e chora, tolo arrependido. Não! Ouça-me, meu bem, não chores... Tudo acabará na mais pura significância do nada.
Olhe para o lado. Você vê alguém? Se sim, não espere que te sintas falta quando fores; mas se não, saibas que é assim que caminharás pelo resto da tua jornada. Depois de viver tanto para os outros, você aprenderá que quando partir, não será mais nada para ninguém. Devo dizer que simplesmente desintegrará, chegará no ponto máximo da sua caminhada inútil e virará comida podre para os vermes decompositores. Você já não estará mais em lugar nenhum. E se pensa que alguém por ti derrubará uma só lágrima, desista, querida. A vida é uma sequência ininterrupta de desilusões; de todas as formas, de todos os tipos.