À ESPERA DE MENSAGEM
José António Gonçalves
Sempre esperei por mensagens
do além e elas nunca vieram. Fiquei
plenamente convencido de que não
existe nenhum além e que é, por isso,
que de lá não pode ser, ou será, emitida
qualquer mensagem. Quando minha
mãe morreu, no Canadá, guardaram
segredo, durante algum tempo, para
me protegerem da dor. É lá, num lugar
onde a neve cai, mesmo que não seja
esperada, que mora aquele que foi
o seu corpo. Não consegui até hoje
alcançar um estatuto de coragem
suficientemente forte para visitar
a sua campa, assinalada (como todas
as outras) por uma lápide, colocada
por meus irmãos, num belo cemitério
que nem sei, deveras, onde fica. Perto,
contaram-me, há uma quinta de vinhedo
onde eu, curiosamente, já estivera,
deliciado com a casa e a qualidade
do vinho. Se me dissessem que minha
mãe estava por ali, no silêncio da terra,
talvez chorasse, lhe acenasse à distância
ou lhe tivesse pedido para contar-me
alguma coisa do que se passa no seu
novo habitat. Admirei-me, também, por
ela não me ter dado sinal de presença,
sabendo-me nas cercanias. Se existisse,
como sei que não existe, algum meio
de comunicação entre o vazio etéreo
da morte e o sangue pulsante da vida,
sei que nada teria autoridade e força
para a impedir de me abraçar, apesar
de destituída de um físico real, ou de
dizer-me umas palavras ao ouvido,
ou de se esforçar por voar e me pousar,
mesmo que por instantes, uns murmúrios
no coração. Estas são as únicas palavras
que tenciono escrever para semear no vento
a saudade que ela me doou, na dúvida
porque decidiu partir sem se despedir
de mim. Não compartilhei do frio que a
cobriu. Mas mantenho-me expectante:
sei que se ela pudesse desobedecer - e
pela primeira vez não cumpriria uma regra -
a uma qualquer lei divina de mordaça
no seu universo sepulcral, ela o faria.
Só desejo por uma questão de incrível
incredulidade que, se o desejar, o faça
de noite, para ver se tenho medo, afinal,
do que amo - ad eternum - e não tenha
a ousadia de quebrar um tão fabuloso
mistério, procurando-me durante o dia.
Como fomos, aliás, pessoas a quem
o amor não era vão e, até, muito chegadas,
peço que ela se me dirija como só uma mãe
é capaz de poder fazer a um filho amado,
mas só o quero depois das doze badaladas
que separam os dois abismos. E na escuridão
mais cruenta, saberei estar firme ao seu lado.
Mas desejo que, nesse momento único, como
nunca haverá outro, ali se me pare o coração.
De vez. No ensejo, encontrar-nos-emos,
talvez, num estado virtual, como só existe
a memória irreal duma carícia, ou dum beijo.
E ela, sorridente, dir-me-á: «Então, vieste!
Alguém lá por baixo, de certeza, ficou triste!».
Também posso rir ? - atrever-me-ei a perguntar.
Ela dirá: «Claro!». E eu: é só pela alegria
que me deste. Agora, ensina-me a acreditar.
José António Gonçalves
(inédito.30.10.04)
JAG
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