O lagar

O lagar

I – O lagar

Eis que escorre a última gota...

(que não é a última)

Ali derramados

Ali, enfim, no solo púrpura e imundo unidos

As lágrimas e o sangue

Num rito antigo e ancestral

Os pés pretos pisaram sem pesares

Muitas sortes

E assim, num simples pisotear de pés,

Uma inteira vida se desfez

Pois não nas mãos de deuses

Nem no brilhar distante de astros

Não, nossa sorte é presa

A um finíssimo galho...

(Fique bem rente ao chão após a queda

Outros talvez não o vejam

A fim de esmagá-lo)

Mas beberam-nas os deuses!

Não os de altos céus imaginários

Mas tão carnais (todos (os) sentidos)

Como eu e você

Sim, beberam os deuses

Do sangue delas;

Tão singelas e tão únicas

Como todas as outras

Sem que um ouvido sequer tenha atentado

Ao lamento das uvas.

II-Videira

Também fui eu pisoteado

A vida, amores, fés, amigos

Ah, foram tantos estes pés

Que sequer posso distingui-los.

E assim sofri, silentemente.

Mas é o vinho desta sangria

O verso rubro e espremido

De que (quase) sempre transborda

O meu cálice à Musa.