A SEMENTEIRA
José António Gonçalves
saberei no momento da sementeira
até onde pode ir a força real
da palavra arremessada
para o centro do poema
não se dispensa a água nem o amor
com que os dedos acarinham a terra
e seguem o seu curso até ao mar
nem há vontade de virar as costas
aos penhascos que lançam as vozes
para a profundeza dos abismos
os homens chegam a solo firme e cantam
na linha do horizonte em que viajaram
na sede de toda uma vida sem respostas
não havia perguntas dizem alguns ao luar
imaginando fogueiras e florestas junto aos riachos
desmemoriados do passado e do futuro
depois recordamos como as eiras precisam do sal
com que se abençoa cada gota de suor
guardado num verso ainda por escrever
e lá seguimos viagem com a luz do coração
às vezes despedaçado pelas distâncias
em busca da casa guardada na lembrança
de outro dia dentro de nós a escurecer
JOSÉ ANTÓNIO GONÇALVES
(inédito.23/03/04)