Meus Pés

Por onde andastes pés pequenos doídos?

Quantos anos sem descanso ainda tens?

Quais veredas de pedras caminharam?

Gastando as paisagens com suas passadas

Boa água já provou em riachos limpos

Saltando cercas pontudas sem tinta

Topando em urtigas apimentadas

Chutando folhas de vento nas esquinas

Com passos ligeiros sobre a linha de trem

Ia a bodega da vila beirando o capim-cidreira

Carregando o menino triste e sozinho

Que trazia para o pai os cigarros em carteira

Se contasse as topadas e piruetas

Seria pouca a gaze no novelo

Para sarar as cicatrizes das quedas

Dos dedos dos pés ao cotovelo

Foram pés engelhados em dia de praia

Brocados por areias mexidas por bicho de pé

Saindo dormentes dos banhos de lagoa

Pés que lembro nunca cheirarem a chulé

Numa boa tarde um ardeu no ferrão da abelha

Outro sucumbiu a um prego feio enferrujado

Arteiros derrubavam o esteio e o varal

Lançando abaixo os lençóis úmidos alvejados

Pisaram em ponta de bagana meio acessa

E na dor choraminguei baixo cada lágrima

Bem na calçada na frente de casa

Diante do portão forjado de entremeio

Naquele dia em que o trem descarrilou sem jeito

Nos calcanhares quis correr até a fumaça

Donde saía um bolero do rádio do maquinista

Sentado na férrea Maria com assovios de pingueiro