SEMEADURA
não me chamem para a colheita,
eu tenho mesmo é uma relação
incestuosa com os grãos
catar as sementes, acolher as boas
e eroticamente introduzi-las
na vulva da terra
cobrir a terra
e esperar a chuva
bendizer o milagre da fecundação
saber que existe um ser
em cada grão
e ver crescer a planta
sexualmente multiplicando-se
entre androceus e gineceus
eu gosto mesmo é de morder os grãos
crus
marcar as mãos, calejar os pés
nus
debulhar as sombras
e esconjurar as pragas
os espantalhos são meus irmãos
crucificados entre as plantações
nem bons nem maus ladrões
sou mais de assustar as nuvens
e macular os rios
ouvir o eco a responder distante
meus desvarios
mas não me chamem para a colheita
se puderem... mandem-me os grãos
3/12/98