LUA REGINA

LUA REGINA

Me quebro,

me excluo,

me incluo

e salto...

Ó Clio,

minha história é perdida!

Perdida criança,

filho perdido...

Me arranho,

sofro murros do vento,

raspo mãos a contrapele

em muros ásperos...

Espero...

cansei de esperas!

Eu sangro feito

vagina em cio; odeio, amo,

exaspero, estou áspero-exasperado...

Desespero

em pratas, em brilhos, em negros,

negrume em vão

sempre à espera...

Me quebro, me lasco, arranho as mãos

em muros ásperos...

Deixo vestígios, gotas de sangue,

escrevo palavras com sangue...

Exangue está minha alma,

gota-a-gota, juros sobre juras

que lhe quebro,

não retiro os traços,

lhe odeio,

lhe detesto no texto

linhas de sangue:

um murro nas palavras

e junto o

murro do vento;

esmago larvas no muro e

num canto meu mundo é seu mundo...

as veias, a gosma nojenta, a baba,

lambuzo meus lábios, e os de você,

dos seus restos,

salivo, saliva, lascívia;

me arranho, me cuspo,

me cago... urino em

imundo furor uterino

de filho maldito

que disse pré-nascer: “_ Mamãe!”

Covarde a chorar no útero,

na barriga...

a bolsa, as trompas...;

e espreme os ossos, a bexiga, intestino,

das tripas ao coração;

nasce a contragosto, mocho,

cordão preso ao pescoço...

frouxo.

Insensato, face-a-face ou santo ou demônio;

um murro áspero na face...

_ Não, não retiro os traços!

E firo o caule do cravo vermelho

e cravo em lençol o vermelho e

o negro;

ninguém, estou ninguém...

sou só neném, e o trem da vida,

os trilhos, desvios, errâncias, martírios,

nascer, um tiro e morrer...

O corpo, destroços,

o troco estampido

ouvido, o grito,

meus olhos pobres-podres:

tumba.

Murro de vento,

música dos anjos.

Murro de vento,

andar adiante,

Murro de vento,

sou filho perdido,

Murro de vento,

devasso e expulso.

Olha, mira! veja a criança perdida;

Olha, mira! ela colhe estrelas, do chão...

Os anjos usaram a força;

ouça então, desfrute a canção da noite,

ouça ‘de cor’ e decore coração

a canção dos anjos...

Rio lunar

me faz então sonhar;

fecha os olhos e dorme docemente...

_ Ó Lua, quer ser mulher?

Ser amante?

Ser prostituta?

Ser mãe?

Ser minha filhinha... e então?!

Ó Lua, do grande Céu:

És a anfitriã!

Consagre minha luta,

ao menos em imaginação!

Sou seu filho perdido

a pervagar eternamente

perdido a atravessar

a cidade na noite tranqüila;

eu sempre intranqüilo...

Aí, do imenso Céu! me protege?!

Atravesso a grande hipócrita,

a cidade à noite nua,

ó Lua!

Meu corpo protegido,

em véu transparente do Averno,

passa em investida

contra a grande hipócrita;

a idiota a vomitar vagalhões de

imundícies escuras em noites claras.

Mas no céu reina a Lei Suprema:

Ó Lua Nova, sempre boas-novas!

Ó Lua Cheia, grávida de anjos!

Ó Lua Crescente, amor ardente!

Ó Lua Minguante, rosa semente!

Protege meu corpo ferido, de morte;

ilumina meu será,

sei que tudo passará

e você,

ó Lua, Regina!

Rainha das suas próprias Leis,

reinará luz sempiTerna sobre

os vivos e os mortos...

PROF. DR. SÍLVIO MEDEIROS

Campinas, ½ verão de fevereiro de 2007.