A PALAVRA É UMA BORBOLETA

José António Gonçalves

A palavra pode voar

espairecer por aí como uma ave

solta e branca

desprendida de sóis

e ninguém dar por ela

no silêncio das sombras

da manhã

A palavra se não bate asas

oculta-se nos tectos

mais antigos das casas

e sopra imagens imperceptíveis

num rosário de recordações

que se esfuma nas tardes

em sons inaudíveis

Se a palavra quisesse

serenava-se

no coração dos homens

e petrificava-os para os atormentar

em sonhos permanentemente iguais

marcando-lhes a memória

com os sinais

dos dias desencontrados

e sempre na penumbra

da noite seguinte

A verdade é que a silhueta da palavra

assusta a cidade

mesmo quando apenas visita os telhados

para lhes abençoar o sono

A palavra é como uma borboleta

esplendorosa

esquece que já foi larva

embora hoje se aparente

com uma rosa

José António Gonçalves

in: Arte do Voo - Antologia Poética

Organização: António Furnier

Coleção: Ausência Quebrada 12

Junho/2005 - Portugal

JAG
Enviado por JAG em 01/08/2005
Reeditado em 05/08/2005
Código do texto: T39559