Taverna
Como febre em furor apaixonado
pelas ruas dispersando a jura eterna,
foi que vi, no rastilho aconchegado,
tua face nos vapores da taverna;
eu serei, sem saber, o alucinado
condenado ao prazer do desprazer?
Ó Deus, então por ela, fui beber!
Se febril é meu amor, serei o espaço
do agônico intervalo da bebida,
morrendo o amanhecer do louro traço
no bêbado transtorno desta vida;
e por louvar tua sombra no regaço,
e no altar que direi por esta lida,
de florir, vosso amor tornou-se santo
como cega oração na foz de um canto...
Clamo o nada, e ninguém soubera tudo
que a paixão eclipsada detivera,
da noite taverneira em que fiz mudo
o beijo no troçar da primavera.
E o copo sujo e roto e carrancudo,
ornado pelo ardor, pela Quimera,
trouxera sem saber deste temor,
de ter enfim cremado o vosso amor.
Jamais! São redivivos no meu peso
almíscar, pesadelo, luz e horror,
quem sabe alvorecer, viver ileso
o karma sem arder, por onde for
tornar-se na ilusão, sentir desprezo,
e nunca vir saber do teu rubor
ao ler nessa poesia... o meu desejo –
bebida de manjar e de praguejo.
O candeeiro, a mesa, algum escrito,
ardências revolvendo minha bruma;
num verso dionisíaco, permito,
o espanto de sentir-me em noite alguma.
Esperei da razão por sobre o grito
que ilumina o granito de uma pluma,
de levezas, quiçá, fosse de arminho
a insânia de bebê-la no meu vinho.
“Permita-me, outrossim, dizer o vago,
a Acrópole fervente em vossa pele.
Permita-me, talvez, sem mero afago,
tocar a danação que me revele.
E abrace o suspirar no etéreo trago
da taça no fulgor que salve ou sele
um mar que desdobrou por outro mar.
Pois só sentiu de amor, quem soube amar.”
Perdi-me alucinado e padecido:
“taverna desgraçando a paz e a cura”.
Soubesse que beber houvera sido
a lousa em que enterrei minha loucura,
jogada no prazer recém sorvido,
tua imagem, de beleza e sepultura,
vertera-me as essências do além-ser.
Ó Deus, então por ela, fui beber!