Quando Escrevo
Quando escrevo
tenho ímpetos impróprios.
Habito a dimensão dos que se evadem,
dos que se insurgem...
Persigo os que se encontram
à deriva em si mesmo.
Transgrido a natureza
da palavra desgastada,
dos tipos enferrujados
nos vocábulos das máquinas,
das sílabas forjadas, em série,
na mecânica dos diários.
Infrinjo a lei arcaica
da semântica senil,
meu dialeto é visceral:
pulsa, sangra,
expõe as entranhas na ferida aberta,
urina no verso para demarcar território,
instintivo, atemporal:
escreve em mim.
Meu alfabeto é de lua e maré,
de sinos e abelhas,
de girassol e rio.
Timbra-se desconsolado
de roseira em gestação,
de estrela estilhaçada.
Nasce do que morre no abandono.
Morre do que vive no descaso.
E, quando impresso, só expressa
a dor que regurgita.