Redundâncias (Narrativa de uma Odisséia Psicológica)
Eu preciso de um estado absurdo de êxtase
uma overdose de vazio misturada com um
pouco de plenitude.
Em um esforço homérico, meu cérebro
tenta alcançar o sei-lá-o-quê do divino
e se concentra sobre a falta de nexo
e a ausência de imagens como se o nada
fosse o oposto extremo da morte.
Meus berros silenciosos não acordam ninguém
enquanto meus olhos fechados são traídos
pela transparência de suas pálpebras.
Retiro meus óculos em uma tentativa vã
de alterar a realidade mas é a realidade
que me altera quando me olha com seus olhos
míopes.
O vazio me observa atento com meus próprios óculos.
Sinto-me uma existência ao avesso.
Ego esmagado. Por olhares,
ou por falta de olhos a me esmagarem?
Espetáculos que assistem espetáculos
ouvem somente o eco dos bocejos.
Volto ao meu cérebro, já insandecido
que tenta em vão algo que se aproxime
de uma explosão ou implosão. Quero
que a rachadura, a ferrugem e o tremor
joguem os prédios abaixo.
Talvez eu olhe. Quem sabe?
O vazio continua distante enquanto continuo
uma odisséia por entre meus próprios pedaços
de eu entulhados em si próprios. Quero idéias
em pó. Pensamentos que não ocupem espaço e que
voam com a primeira brisa e se transformam
em metáfora do vazio com o primeiro tufão.
Tropeço em pedras de concreto de realidade
que tapam meu precipício pessoal. Não que
eu queira cair. Não me entenda mal. Aliás,
não me entenda. Assim terei a ilusão de estar
no controle.
Mas o que estou a dizer? Ingenuidade! Por favor,
senhores, reduzam-me a uma salva de vaias ad infinitum!
Apenas estou cansado do chão. Lembrete eterno
de mim.
Mas antes que eu tropece,
retirem os óculos do nada
ou não haverá mais acaso,
nem cachorros pisando nos próprios rabos,
nem caixas de leite fora do prazo de validade,
nem relógios com dois minutos e meio de atraso,
nem pedras em que eu possa tropeçar e
me alegrar com a perspectiva de que o próximo
instante pode, enfim, não ser redundância
do instante
anterior ao
instante
anterior ao
instante anterior.