A Fração de Segundo entre o Silêncio e a Palavra (ou Cosmogonia)
Fração de segundo
Fração de silêncio
Fração de bloqueio.
Se eu tivesse frações de palavras
minhas frações de significado exprimiriam
um desespero inteiro.
Parece que corro milhares de asfaltos
para percorrer a distância absurda
entre a intenção e o ato.
que é a mesma que a distância entre o leve
e o pesado. que é a mesma que a distância
entre o olhar distraído e o olhar que se
espatifa no olhar do outro.
E é isso que é insuportável!
Fração de segundo de olhares inteiros
e palavras perdidas pelo desejo incontrolável
da distração.
O insuportável é dizer a palavra que funde existências;
fábrica de responsabilidades. É a palavra que proíbe
a vertigem, pois, palavra-grilhão, me algema.
Pois ora, o precipício é tão desesperador quanto a
impossibilidade de pular.
Frações de eutanásia.
(mudo de idéia enquanto escrevo)
O insuportável é a palavra cosmogônica
palavra-deus, que transforma pessoas e conversas
em sentido último da existência.
Como dizer a criação do mundo,
na iminência da criação do mundo? Como
tolerar a tragédia-dupla da Criação e do
Apocalipse, postos lado-a-lado por causa de
uma única palavra? Como posso ser Deus de mim?
Então só me resta reduzir-me à falta de sentido,
que é o mesmo que a falta de futuro,
que é o mesmo que o presente.
Não direi palavras-algema, palavras cosmogônicas
ou frações de palavras. Direi a simplicidade
da palavra-palavra. Inconseqüente, ao mesmo tempo
que despreocupada,
e que dorme confortável sobre a falta de chão.
E se houver cosmogonia,
talvez olhemos, distraídos,
para depois até mesmo esquecermos do que vimos
como se aquele ponto insignificante que representa
a distração fosse maior e mais majestoso que o
início e o fim. Se posso terminar este poema
com uma vitória, termino com o império do esquecimento,
conquistado em uma fração de segundo;
que já não me importa.