DE REPENTE.
De repente o tempo trava
o vento emperra, o ar estanca.
Tudo parece ficar morno, zonzo, capenga.
As cores se acinzentam, o gosto fica turvo,
o tato fica seco.
De repente o desejo fica manco,
as mãos ficam vazias, o coração padece de vontades.
De repente o vá vira fica,
a camisa fica apertada, a veia parece não ter fim
e nem começo.
De repente o gozo fica aguado, a fronha fica encardida,
o beijo vira ermitão.
De repente a visão coalha, os pés se ancoram pra sempre,
a dor entra em cena pra nunca mais cair fora.
Dá vontade de virar pó, virar fuligem, virar nada.
É como se todo o sonho tivesse seus véus estuprados
pela terra seca da vida.
É como se nada mais valesse a pena.
Então viramos o jogo.
Vamos catar nos confins mais confins
o sangue retido dos vencedores.
Vamos buscar nas entranhas mais bizarras
o gás pra nos levar de volta à vida.
Então nos parimos de novo, com a certeza
de que o que passou, passou, foi, já era.
Então retomamos o nosso quinhão
com as garras afiadas e ferinas que
sempre tivemos.
E assim seguiremos em frente até sempre,
até o fim.
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