ESCRAVA NÃO SOU, ESCRAVA ESTOU!
É triste lembrar do meu caminhar
Que sempre vivi
Alegre a cantar.
Família feliz, gargalhadas ao luar
Esperando que um dia encontrasse o meu par
Onde o verdadeiro amor
Eu iria achar.
Ouço passos, ouço sussurros
E me escondo atrás dos arbustos
De nada adiantou
O homem mal me alcançou.
Correntes, grilhões, empurrões
Levando-me pra longe
Sem boas intenções.
Arrastada pelas ruas, fizeram-me chorar.
Levada pro barco que estava no mar,
Balançando de leve, parecendo ninar,
Onde parte de minha gente.
Estava a gritar.
Sinto medo, sinto frio.
E fico a me indagar:
-“Pra onde vão me levar”?
-Pra onde vão levar o meu cantar?
-Por que meu Deus? Por que “fazem isso”?
Prefiro ficar no meu paraíso.
Olho ao meu redor e não há alegria
Onde eu via o luar
Só me resta a noite fria.
- “Onde estou”? “Quem eu sou”?
Porque um velho homem
O meu nome tirou.
Queria amar, mas ouço o Sinhô me chamar:
- Venha formosa escrava, ao seu dono agradar.
Quero agora com você me deitar.
Sinto o seu cheiro,sinto o seu calor,
E dentro do meu peito só me resta o horror.
Quanta tristeza, quanta dor,
Quanto sofrimento que esse homem me causou
E choro porque, ele nunca me amou.
O fruto dos estupros, ele rejeitou
Batendo-me tanto que o seu filho matou.
Jogada no canto ele me deixou
Esperei pela morte
Mas ela também me abandonou.
Queria estar onde deixei o meu cantar
Lugar onde ouvia minha mãe a falar:
-Venha filha minha, vamos o leite tirar
A nossa família temos que alimentar.
E logo sentia o sol a brilhar.
Nas cinzas desta terra escrevi a promessa:
-“Fugirei bem depressa, pois não sou uma peça”.
Com o ferro quente o Sinhô me marcou
Mostrando aos outros, que eu, nada sou.
Não temo a morte,
Temo a minha sorte.
E amanhã bem cedo,
Fugirei e contarei com a sorte.
-Ah! Liberdade, por que não me alcançou?
A espero sorrindo neste dia que findou.
A dor no meu corpo passou,
Mas a minha esperança,
Ah! Essa o tempo não levou.
Vou gritar a todos este meu clamor:
- Escrava: NÃO SOU, escrava: ESTOU.