A SUA ÚLTIMA LÁGRIMA.
Imagine-se dando marcha a ré na sua vida
não se preocupando mais com o que virá pela frente
não tendo medo porque o seu medo ainda nem nasceu.
Fazer o seu tempo mudar seu curso,
trocar suas leis, seus ditos, o que teria que ser pra você,
passar a ver todos os horizontes das varandas da sua nuca,
só recuar, recuar, recuar, recuar, recuar.
De repente o que era velho estaria por ser parido,
toda experiência tida ainda estaria por ser,
todos seus sonhos tidos ainda seriam alinhavados,
só recuar, recuar, recuar, recuar, recuar.
Todo o resto se alvoreceria, menos você,
seu tempo engasgado num tempo âncora, num tempo raiz,
você esqueceria seu nome, sua casa, sua mulher, sua matiz
todos os shows na prorrogação e o seu ainda nem ensaiado.
Então você berraria chamando a morte pra perto,
gritaria como nunca fez para os anjos te levarem daqui,
ofenderia Deus para que fosse jogado no fosso do inferno,
só recuar, recuar, recuar, recuar, recuar.
Você se embebezando sem trégua, o cheiro de fralda corroendo
sua alma, a baba de quem nunca cresceu lambuzando seu corpo
com furor devastador.
Quando você virasse aquela gota do semen que o gerou, você faria a única coisa que se prestaria neste momento: transformaria aquele semen numa lágrima, a sua única lágrima, você sendo a única lágrima de si mesmo.
Então poderia, finalmente, dormir, ou até morrer. Ou até, quem sabe, chorar.
Assim não precisaria mais
só recuar, recuar, recuar, recuar e recuar.
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