LOTAÇÃO

O meu poema ficou no ônibus

Até que conseguiu passar por debaixo da catraca,

Mas desistiu de saltar no mesmo ponto.

Há um arrependimento encardido

Um ópio que instiga sem parar

- cadê a tua poesia, aprendiz de analfabeto?

Decerto o cobrador guardou

E cantará, píncaro do poeta que não é,

Os versos que deixei na distração.

Eu perdi pro desatento,

Confesso: pois que fosse uma boa poesia,

Nem esquecimento teria!

Mas era um rascunho, uma ideia, uma possibilidade,

Coisa que todas as poesias são:

desejos que todo mundo têm, mas alguém se atreveu a escrever.

Sabe as palavras que lamento por ter perdido?

Ficaram no busão!

Sou assim: não perco os olhos apenas por estar cego das palavras!

Havia um senhor que sempre estava lá:

saco de farinha sem farinha e o curioso:

um cheiro de coisa morta na vida desse senhor: estará com ele?

Pois há tão menor poesia no cobrador,

E nem nesse senhor: mas a menina loura dos cachinhos perfumados:

Terá ela se apossado da minha poesia?

(Na mão de uma mulher, o que é poema será sempre poesia)

E se a menina dos cachinhos postar o meu poema na internet?

Terei ciúmes? imagine: minha palavra, caro amigo: o meu atrevimento!

O mundo vendo a minha poesia sem saber que é minha

Inveja pouca é mentira: que todos nesse mundo morram de amizade!

Se a minha poesia alguém achou: não existe. Ideia perdida é silêncio.