AO LEVE ROÇAR DA BRISA

Numa visita ao jazigo

de velho poeta amigo,

à sombra de ermo cipreste,

surpreendi-me: a lousa fria,

como página vazia,

guardava o sereno epitáfio do mestre.

Lembrando-lhe o rosto

risonho e tranqüilo,

uns versos, dispersos,

à volta, entrevi.

À brisa não culpem,

se, pobres de estilo,

grafei-os aqui:

- É apenas a estória

do tédio de uma vida -

essa que, incauto poeta, escrevi.

Vinha de intérmina infância.

Brincando de viver, ganhei distância

e, saturado da vida,

como tantos, a perdi.

Nisto consiste o viver:

compor como personagem

da intérmina, estranha estória

humana, um malogro a mais.

Com asas de Ícaro

levamos nossos sonhos

e em penas constatamos

se desfazem nossos ais.

Os homens são argonautas.

Nos nevoeiros do tempo

têm seus destinos e avançam,

avançam. Urge avançar.

Mas, sabem: os seus veleiros

soçobram no grande mar.”