A GRANDE FARSA.
O amor tem tantas vozes, tantos passos,
tantas teclas, tantas veias,
tantas portas, tantas teias,
tantas armadilhas, tantos laços.
Muitas vezes dá tiro de festim,
faz a gente fingir de morto, e como,
como se tudo fosse uma grande farsa,
um grande sono,
faz a paisagem fingir que estava lá.
O amor faz o que temos de mais sagrado sair sambando,
nos faz meninos como nunca seremos,
nos leva ao céu e inferno na mesma viagem
faz uma grande alegoria tudo que cremos,
e quando de repente a nossa voz vira só pastagem
é que percebemos a ferida na alma sangrando.
O amor é fado, é eco, é fronha, é tombo, é altar
quando teimamos em consertar é que desafina o cantar,
quando tudo fica calmaria, quando toda dor se solta,
assopramos a fuligem que tomou tudo em volta,
e vamos pro bar encher a cara até o tempo bocejar.
O amor vem sem partitura, sem manual do fabricante,
quem conhece seus passos está brincando ou mentindo,
é como se recebesse um estranho em casa toda hora,
é como se arrancasse de Deus o que Ele nem sabia,
e fosse até o fim do infinito só dizer que acaba agora,
e colocasse o sentido de tudo num único instante.
E depois, cansado, com peito moído, falido,
caímos naquela rede que sempre esteve esperando por nós,
e damos o maior grito mesmo estando sem voz,
percebemos que o desejo não tinha mesmo partido,
então nossos tentáculos se irmanam, entram em compulsão,
a pele fica oca, o corpo se desprende dele mesmo bem devagar
para que o nosso sangue possa um novo sangue fecundar.
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