Até as pernas fugirem de mim.
Noite esquisita, doída, bandida,
daquelas que destroncam o sono, enfurecem o sonho,
daquelas que quebram os dentes, entalam a digestão,
daquelas que engasgam os pensamentos numa folia só.
Noite sacana, que esgana a luz,
fazendo pouco dos ventos, esnobando os unguentos,
mostrando seus dentes podres num reflexo encardido,
estalando seus ossos feito balas de chumbo e festim.
Noite surrada, mal enfronhada, mal gozada,
cada minuto se fez manco, cada respirada se fez porrada,
como se o tempo não tivesse pressa pra se vestir,
como se todo o fôlego fugisse a pé pelo ralo.
Noite feroz que foi se escorrendo pelos vãos do meu sangue,
como um legado imberbe que as mãos não suportariam carregar,
como um passo torto regido pelos goles de gim,
como um riso arroto que levará a plateia para seu poço da morte.
Noite suada, surrada, sumida,
nas ancas das suas encostas tentei me prostrar em vão,
nas pedras do seu sapato fui saciar tantas sedes que nem sei,
nos seus lençóis remendados escorei toda fé só pra me fartar nestes peitos caídos que outrora fizeram a minha festa.
E agora, retalhado e banido dos meus desejos, meus gritos de arlequim manco,
vou tentar reconstruir o que sobrou de mim entre as fuligens nubladas que não abandonaram o meu barco,
vou à busca de alento no refugo rajado deste final de festa,
e assim, destampado e descampado, vou caminhando até as pernas também fugirem de mim.
Vou caminhando até as pernas também fugirem de mim.
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