A Alegria do Mundo (I)

Capítulo I

Estatísticas tácitas apontam: as pessoas andam mais tristes!

Sabe por quê?

O melhor ser humano só funciona sem precisão.

O pior dos tolos sabe que pode ser o melhor

Treina cálculos para isso

E a esfera terrestre circula

Ilesa

Triste

Afetada

Porque facilita o caminho da imaginação

Que não está guardada

Na matemática.

Por mais que se abram vastidões

Jamais nos encontraremos

Talvez porque é vasto e somos tão determinados

No sentido restrito da determinação

Capítulo II

(Metamorfose)

Gastei as minhas horas de contrapeso

Tentando ser humano.

Iniciei por um poema,

Tropecei na crônica

Que virou um conto.

Não contei nada que fosse convincente,

Concluí um romance.

Insatisfeito,

Refiz a bíblia.

Descrente, cheguei a Ulisses.

Mas nunca fui tão grego,

Jamais pensei por Atenas

Então, me pediram um livro de receitas.

(Justo a mim, que nunca acendi um fogão?).

Um ano mais tarde – que na verdade foram três – resolvi que

resolver era um gesto muito hostil para quem apenas tinha vontade.

Acabei na naquela poesia.

Talvez o processo da metamorfose seja o mesmo

Do casulo para a borboleta

ou da borboleta para a lagarta.

Depende pra que canto sopra o vento.

Capítulo III

Vivo num país que adotou o chumbo com frieza.

O pudor do alho dá sabor ao alimento.

Faz calor por trás do inverno.

Dos quatro fusos-horários, só o oficial se atrasa.

O chão é tão pesado pro transporte.

Quem ri, sem motivo desconfia, dá para ser feliz.

Sem muito fundo, confundindo o mundo.

Não chegou aqui.

E eu digo que vivo num país.

Eles perguntam se eu estou vivo.

E o tempo importa: por quê?

Capítulo IV

Estou aqui por acaso

Eu não queria entrar

Não havia porta aberta ou coisa assim

Mas algumas crianças me pegaram pelas mãos

E, por serem crianças,

Mandavam no mundo

E me puxaram pra cá.

Assim – creio eu –

não precisarei inventar mais nada

Que o já posto

Acima de nós.

De vez em quando

Pego alguém aqui, ali,

No canto chorando coisas que ainda não estiveram.

De vez em quando me pego no canto

Rindo dessas pessoas.

Todas às vezes eu penso que estou mais

Que eu poderia ser.

E nem assim,

Essas pessoas – mesmo de vez em quando –

ousam rir de mim.

Dá uma vontade de ir embora!

Mas quem falou que neste espelho espelho que me olha não cabe mais ninguém?

Capítulo V

Meus olhos está

Derramando por mim

Toda a preguiça dos homens

Brotada do medo

Que os homens sentem de si

Quem, nesse momento, não pensa sons

Que já tocaram na minha cabeça

Nos ouvido dos meus sonhos?

Quem, ouvindo os sons, não pensaram

Quais os carrilhões, harmonias, querubins,

Trouxeram esse som pra mim?

Guardaram, ou guardou? nada concorda melhor que a metáfora do homem moderno!

O importante é ficar guardado

Porque é um homem moderno

Acostumado a ser moderno

Conformado que o tempo chegou, chega

Cegará

Conformado por ser moderno.

A única conformidade nisso tudo é ninguém está protegido, embora melhor ficar guardado.

De si mesmo.

Homem.

Estranho.

Quem tem mais qualidades que eu,

Que ouço sons como qualquer um?

Mas são meus os sons,

E eu não sou qualquer um. Nunca fui.

Aliás, ser é algo que venho tentando há muito tempo.

Capítulo VI

(Poeta Sem Jeito)

Poeta sintético, avulso,

De uma geração sem poesia

E pouco uso

Prefere o papel ao teclado

Sabe que o movimento do braço

Produz um engenho exato.

Ou será rasgado

Sem muito choro ou empenho!

Poeta hermético, rústico,

Refere-se ao céu por buraco

Invoca os seus próprios moinhos

Deságua na mágoa o caminho

Que enxágua com água fugindo do ralo.

Ou será lavado

Com muito cloro e espinho!

Poeta que não curte em formol

Não abusa do éter

Estende o carbono estéril

Na mesa do mundo retrátil

Gentil, imbecil e versátil

Do tipo que nasceu volátil

E ganhou peso nas mãos do inventor.

Ou será livre apenas

Na ocasião de um novo interventor.

Poeta de beleza posta fora da vaidade

Poeta que mente de verdade

Poeta sem rima que prima

Pela paciência acima

Dos olhos

Na demência que contagia

Soneto com ar de alergia

Histeria amuada e contida

Na anestesia américo-luso-vadia.

Poeta sem reta

Acerta o ouro imprudente

No canto de alguma esquina

Na sala de outro cinema

Que vê a vida em mais filme que tema

Poeta que teima.

Ou será explicado

Na tese de algum alquimista.

Poeta sem vento

Monocrático

Poeta de sensível labuta

Sabe que o toque desfaz peça bruta

E não há ninguém no além que aquém de si

Desprende do umbigo.

Pois, pense poeta comigo:

- mais cedo a fruta cai

e tarde amadurece.

ou desordena a espécie.

Então quero ser feito não mais!

Poeta sem fundo

Sabe que o mundo é um implante de limites

Contando os monstros arredios pelos medos

Anistia os segredos

De quem se esconde e insiste

Que a semente não rompe os furos

Do tempo atrasado,

Como não fosse o passado

O futuro que já aconteceu.

Ou será condenado

A ser poeta apenas.

Poeta injusto

Arauto da própria covardia

Descrente da rude fadiga.

Sentencia aqueles que, vez por outra,

São os mesmos que não são.

Poeta larápio

Poeta gatuno

De fróides noturnos, carentes soturnos,

Órfãos e taciturnos

Poeta soldado alado,

Pra que o coturno?

Ou será preso

No teso opiário

Vassalo.

Poeta atrasado

Vive no espaço que dura um bocado de gente

Poeta de repente

Impertinente não soma a pureza das coisas

Desastre das coisas sem coisas

Lastro que marca o impossível

Trajeto entre a paz e a beleza

Poeta que vê na dureza

O sentimento médio

Da classe com

Mediocridade

Poeta vermelho

Aguçado

Imagina por trás do outro dia

Um dia doente

Tirando o nó da corrente

Poeta incoerente

Não fala em perdão

Mas crê que a poesia seja farta

Às bacias

E coubesse em todas as mãos

Quisera, poeta,

Que a poesia

Tivesse algum coração.

Capítulo VII

(Formigueiro)

Meu inseto virou medalha

Pra ver se cavava no peito do vencedor

O gosto do retrocesso.

Invertebrado áporo

Decidiu ir a pé pronto ao vento

Que lhe tirou as asas por essas metamorfoses.

E não é que o bicho virou mito?

Bastou furar o busto do imperador

E apagar a frase conservadora da bandeira!

Bicho de três pares,

Patas, tempo, febre,

Que dão equilíbrio bêbado

A quem só está por tombar.

Antenas amputadas

Quando lá: marca na caixa de chumbo!

Ousava avisar que sentia dor

Durava para pendurar, no pescoço do andor.

O discurso que não dá!

Meu insidioso fiel

Resolveu-se insuficiente inculto

Discursando inseticida na parede do incunábulo.

Foi quando deu nesses tempos

Que esse inseto virou todos os bichos

Porque arrancaram a rosa do outro,

Voz que durava tão rouca.

Desprotegendo meu minúsculo, de rasante sem pulo,

De asas sem leques,

Desconhecendo o inimigo

Caiu em outras teias.

Debatia-se analfabeto como quem ousa gritar:

Um povo sem letra não assina o seu futuro!

E nem alado e antenas, entorpece do impróprio veneno

Pois sabe que delira sem patente

Por desafiar a autoridade sem face.

Formiga?

Drosófila?

Drummondias Andradis!

Capítulo VIII

(Catarse)

Não escrevo sobre nada em especial

Não falo de coisas tristes

Não emano alegria

Tenho alergia a tudo.

Não escrevo porque devo dizer algo

Não entendo do amor

Meu pavor é sozinho,

E algumas hemorragias na alma.

A melodia ta traindo a música

A poesia dá rasteira no soneto

Nos dias infelizes em que a disputa concorre

Com o homem

Sucata é baluarte, o emblema da culatra vira arte,

Escorregam no sangue que escapa,

Das coisas tristes que sonhei... O tom das notas soltas guardadas numa volta,

O plano de Fellini, sem cinema, com problemas, claro,

Preservados candeias...

O desembargo vitalício

Tristes porque partiam de manhã, eram sonhos apenas.

E eu sabia isso.

Também não escrevo para encontrar motivos,

Nas coisas sem fundamento que o mundo fez.

Escondeu o inimigo.

Colocou dentro de cada um, implacavelmente.

Ficou impessoal, amigável. Funesto.

O papel do mundo é acostumar.

Manufaturou mercadorias para isso. Quem não concorda?

Ninguém quer se comprometer mais, que o medo fique na existência fossa de cada dia! Na hora da folga a vida troca de linguagem, e o tempo apertado entretém.

Ficou difícil provocar

O itinerário alongou-se, mas a eloqüência caiu.

Não há mais motivos.

Poderei contar as histórias de toda a covardia

Quando o tempo foi abandonado.

Aí terei motivos.

Até lá, tentarei escrever poesias.