Zumbi

Você se foi de mim feito vento vadio,

saiu das minhas garras como lágrima que virou sal de tanto chorar,

se fez saudade antes que pudesse trocar minhas próprias fronhas, e minhas próprias fraldas,

se fez arremate antes que o medo se flagrasse bandido, ou banido.

Você se foi de mim antes que todas as cores chibatassem meu peito,

escapuliu da minha vida sem que a gente tivesse tido o direito de sorrir, e nem de respirar,

escorreu pelas frestas das suas máscaras sem que pecássemos juntos pela última vez, que pena,

transformou nossa mesa numa putrefato banquete que nunca deveria ter começado, nem tampouco acabado.

Você se foi de mim como uma fada, uma bruxa, uma tratante qualquer,

esperei em vão pela sua misericórdia, pela sua migalha, pela sua tralha mais puída, em vão,

esperei toda vida pela sua mão, pelos seus acordes, pelos seus desafinados gritos de prazer, acredite,

esperei pelos seus seios só pra poder saciar minha sede,

não foram poucas as vezes em que me vi num cadafalso só esperando a sua puxada da corda, ou o seu grito de misericórdia, ou o que fosse.

Você se foi de mim como alguém que nunca deveria ter chegado perto,

que nunca deveria ter sido traduzida, nem salgada, nem fervida, nem aninhada,

parecia que a gente vivia só pra matar o outro quando desse, quando quisesse, quando desse na telha, sei lá,

tentamos viver numa farsa que tinha seu fim já tatuado nos primeiros acordes, nos primeiros respiros, nos primeiros e trêmulos frutos.

Você se foi de mim deixando uma rastro oco, encardido, sem gosto e nem cheiro,

saiu de cena com a emoção cabisbaixa e embebida de uma grotesca derrota em todas suas entranhas, tadinha,

pulou fora do meu barco sem olhar pra trás, sem acabar de comer, sem fechar a porta, ser dar um rouco adeus,

e de longe vejo a sua silhueta manca se arrastando feito pedinte morto de fome,

reconheço que erramos de direção, deixamos passar o tempo da fervura, amordaçamos os nossos risos, decapitamos a nossa fé, entortamos o nosso passado e esfacelamos nosso futuro até nunca mais, até sempre. Até sempre, menina.

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Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 09/02/2011
Reeditado em 27/02/2011
Código do texto: T2781471
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