A rima rebelde

A rima rebelde

Era uma rima que não gostava de poesia

Criticava os poetas que tinham a mania

De escrever versos líricos, perfumados

Melosos e necessariamente rimados.

Não gostava de rima porque se sentia

Obrigada a usar a palavra que não queria

E o sentido do verso sacrificado ficava

Com aquela palavra que não encaixava

Por mais que tentasse resistir à rima

Uma força que parecia vir de cima

Trazia, como presente, uma inspiração

Que para ela era uma verdadeira prisão

Porque não podia escrever livremente

Usando as palavras que vêem à mente

Livre das correntes e dos grilhões

Com versos explosivos como rojões?

Sonhava libertar os vocábulos

Abrir as cancelas dos estábulos

Para as palavras, livres, galopar

Ou, talvez como pegasus, voar

Mas quem disse que é preciso rimar

As regras são feitas para se quebrar

E você pode escrever como quiser

Em prosa e verso sem uma rima sequer

Isso é o que você pensa, disse uma voz

Você pode sofrer um castigo atroz

Uma praga de poder descomunal

Se tentar perverter a ordem natural

Praga maior é ter que viver rimando

Contra a correnteza continuar remando

Num mundo globalizado, apressado

Ficar procurando palavras terminadas com ado

Não fique reclamando, tornou a voz retumbante

Outros atributos podem complicar bastante

A métrica, o ritmo, a sinalefa, torna mais difícil

Escrever uma trovinha que construir um míssil

E a palavra é como um míssil teleguiado

Atinge em cheio, na mosca, o alvo mirado

Como a lança, penetra; como a faca, corta

Tranca e abre, com seu poder, qualquer porta

Pode os olhos da mulher amada inundar

Com lágrimas que só a emoção sabe criar

Como o cateter, pode invadir seu coração

Como adrenalina, aumentar sua pulsação

Por isso a palavra deve ser respeitada

Mais do que isso até, reverenciada

E a rima é uma forma de deferência

Um tributo dos poetas à sua importância

Tudo bem, tudo bem, diz a rima resignada

Já estou convencida, não diga mais nada

Eu só queria saber qual é a sensação de criar

Um verso, uma estrofe, sem ter que rimar

Vá em frente, se você quer tanto assim

Mas depois, não venha queixar-se a mim

Toda rebeldia tem um preço a pagar

E você é uma rima e foi feita para rimar

Pelo menos uma estrofezinha sem rima

Acima, prima, elas vêem de todos os lados

É difícil evitar, mas acho que vou conseguir

Chegar ao fim deste verso sem rimar

E agora, sua rima sem rima

Satisfeita com sua obra-prima?

Está agora livre do seu complexo

Com aquela quadrinha sem nexo?

Imagine só o que pensam disso os sonetos

Com suas duas quadras e seus dois tercetos

Os versos alexandrinos e a redondilha maior

Diante da sua rebeldia e deste poema menor

Eles que fiquem acorrentados a suas regras

Suas sílabas contadas e suas emoções de pedras

Prefiro os versos, brancos e livres assim

palavras soltas, definitivas como FIM.

Magela Oliveira

08-02-2008

Magela Oliveira
Enviado por Magela Oliveira em 05/02/2011
Reeditado em 16/02/2011
Código do texto: T2774114
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