O PLANTAR DO AMOR

José António Gonçalves

serei o lavrador arqueado sobre a enxada

no alto dos córregos a rebuscar as ervas daninhas

com os olhos enevoados da poeira do caminho

e os pés gretados metidos na água fria da rega

com as mãos calejadas estremecidas pelo tempo

e o corpo suado de hábito e exaustão

serei o homem que doma a terra estéril

o lado da secura da natureza sem voz para gritar

as rugas ao sabor do vento das chuvas das tempestades

a recusa do proliferar a semente no jogo das luas

o apóstolo guardador das casas na arena das palavras

o combatente das batalhas perdidas ainda por nascer

o meu corpo criará uma crosta viva e dura

como a lava cobrindo há muitos séculos a espuma

do mar revolto na sua louca combustão líquida

e insistirei sempre em vergar-me perante os sóis

sem me deixar vencer nos espinhos dos silvados

verdes e afiados como as tuas unhas sob os lençóis

pode ser um sonho uma nuvem ensombrando o gesto

de estar aqui com os músculos disponíveis à escravatura

de me render ao teu chamado telúrico às fontes bravas

que moram dentro da carne e se mexem sábias em frenesi

preparando-te para os altares destinados às santas

e assim te tornares arável fruto do amor que planto em ti

José António Gonçalves

(inédito.20.08.04)

JAG
Enviado por JAG em 18/06/2005
Código do texto: T25406