MOVIMENTOS OU PÁGINA DEZ DE JANEIRO
Dá para pressentir:
Há um burburinho em cada esquina,
Em cada bairro da cidade.
Há um bêbado pensando ser sábio.
Há um mendigo saciado da fome
Com um mísero naco de pão.
Há outro pedinte de informação,
Perdido do ninho – almofadado...
Há um bebê chorando e uma sirene
De fábrica em hora de lanche.
Há uma mãe que lamenta sobre a receita
Não aviada – há uma doença premente.
Ouve-se um estampido e um homem cai sem vida.
Há um padre. Há uma missa e uma missão:
Amar, doar, perdoar - setenta vezes sete – até mais!
Todos os dias há extrema unção...
Todos os dias há casamentos e batizados...
No rádio, no intervalo da música, há um anúncio fúnebre
E agradecimentos pelos pêsames.
Os sinos da Igreja choram o féretro.
Na rua, alguém passa com um quilo de feijão
E um sorriso largo e olhos reluzentes.
Na cidade há um poeta caduco,
Viciado em amar seu amor,
Entristecido pelo abandono,
Esquecido na página dez, da edição de janeiro;
Rasurada com a tinta do batom.
ANTÔNIO FONSECA