NA MORTE DE PABLO NERUDA
José António Gonçalves
morreste. ninguém mais tem os dedos no coração, medindo
o pulsar do amor. os teus versos vão-se desfazendo nos olhos
dos abutres, enquanto as palavras criam raízes nas folhas brancas
que deixaste apodrecer. são poemas de ouro ofuscando os dias
com o seu brilho. e tu gritaste com a tua voz a força da vida e viste-a fugir
nas células moribundas. ah! Neruda, ninguém soube que a tua carne
é que devorará a madeira do teu último leito. ninguém soube,
porque todos morreram contigo ao morreres, meu poeta sem fim.
José António Gonçalves
23.9.73
In: À Espera dos Deuses – Poesia
Coleção Obras Completas de José António Gonçalves, no. 2
Funchal, Abril de 1999