FUGIR
Fugir sem deixar nome ou filho
Sem mapa, andarilho
Fuga que escape à análise
Sem deixar pé
Para dissecação de alguma psicanálise
Fugir sem encarar a lógica
Sem enumerar os muros
Sem lembrar mala sem levar passaporte
Fuga da vida, da existência, da morte
Sair de dentro da conspiração
Que irá salvar ou deletar o mundo
Sair da mira do marqueteiro
Não figurar na margem de erro ou acerto da pesquisa
Fugir do bar e do carboidrato
Do cuba libre e do Fidel Castro
Fugir do abraço que exige contrato
Fugir do beijo que se transforma em retrato
Fugir da fórmula da felicidade e do sermão
Da teoria da prosperidade e do voto de pobreza
Escapar por um triz do amuleto e da cabala perdida
Fugir do ibope e do show da fé
Sair correndo, voando, por teletransporte, de marcha à ré
Do cidadão de bem, do homem honrado
Que adquire orgulhosa corcunda com o peso das medalhas
Fugir da idéia de raça e da cota para estudar
Do bolsa-família e do bolso do ministro
Fugir da seca, da enchente, da ressaca
Não engrossar o coro da estatística
Não ser voz vencida no coral contente da igreja
Fugir sair correndo da passarela
Ser exilado pelos tiranos da ditadura da beleza
Fugir do corpo e da necessidade de descanso
Fugir da alma e da necessidade de salvação
Fugir sem deixar nada para trás
Nem lembrança que fustigue uma história
Nem uma pegada que renda uma hipótese.