VESTÍGIO
Entre cabelos de luz garças se assanham e se aninham
Nas retinas corre o mar de ausências
Ilumina a face o mais legítimo carinho
Sobre a pele
Uma canção de infinito amor eu queria cantar
Carícias lentas e impensadas
Faria tremular as alvas velas da minha saudade
E me lançaria de um trapézio
Mesmo tendo a rede sido retirada
Só aumenta em minha boca a sede dos desertos
Desencantado canto se arrasta em versos ignorantes
Atraindo julgamentos e olhares por sobre o espaço de tão sublime afeto
Por sobre essa impossibilidade de para o mal haver remédio
Os ventos, as procelas, as benesses e as mazelas
A insistência e a incoerência de metáforas nos neurônios embutidas
Até quando alongarei praias desritmadas, não sei
Se me acerco, erro
Se me distancio, me disperso
Tenho braços em farrapos
Todos os poéticos movimentos
Vivem em mim enlouquecidos beijos
Pudera aplacar do coração os desrimados batimentos
Depois de entre as essências vagar e vagar, é que me vejo e encontro
E preciso de novo me perder
De quem, lamentavelmente, me sustento
Palavras ocas de significado espalho ao léu, pelo Universo
Na esperança de que me ouça Deus
E que Ele, da mesma sorte que deu, retire
Como se jamais em mim passado houvesse
E que o menor vestígio eu tivesse
E que meus estúpidos versos entrassem em combustão
E que Ele, se me presenteou com este futuro do pretérito,
Me retirasse desse infinitivo ao relento
As calçadas sob os meus pés, as gotas da chuva
Os raios do sol, tanto ao romper da aurora,
Quanto do dia à sua última hora
O ajuntado e o disperso
Para quê?
É preciso ter um objetivo até para o amor
Os barcos perdidos que se afundam em meus pobres poemas, as cascatas, as faces das coisas, a poeira das estrelas, a dor, as lágrimas, o certo e o incerto
O norte, o sul, o leste, o oeste
As cores e os mais tristes tons do cinza
As estações do ano e até os vagabundos bêbados nas esquinas
Todos os desvarios e tresvarios
Não rezo o terço para não dizer um nome entre as continhas
Não acordo e também não durmo
E se em idílio amoroso estou
Vem suave sombra e sobre mim se deita e se aclama
E sou de dois, de três, quem sabe, mais
E pra todos me dou como se do coqueiro fosse as palmas
O cérebro consome esta certeza íntima, lógica que me diz, aponta e ensina:
Pagas teu pecado de saber que verdadeiro amor existe e,
Ainda assim, em negá-lo, teimosamente insistes
Não olharás o rosto amado frente a frente
A alma fria, o corpo indigente
Mãos de versos plenas, apenas uma ilusão
Foste marcada, assinalada para não te darem de comer
Para não te darem de beber
Serás ilha no oceano em insatisfeitos carinhos submersa
As mãos derrotadas
Martirizadas de amar como nunca antes, nem depois e nem durante
Assim da forma que Jesus ama o semelhante
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