O SANGUE ESQUECEU-SE DE MIM
O sangue esqueceu-se subitamente de mim
e do meu corpo e anichou-se-me na alma
que o mantinha quente. Nisso tinha um fim.
Vê-lo queimar estas poças frias de calma
e de um desesperado acreditar em tudo,
fugindo às agonias das certezas absolutas,
na opção de aconchegar-me, de vez, ao veludo
da chama que faz vencer o fulgor das lutas,
onde desde sempre me lembro de caminhar,
verde, na esperança de que tudo feche, afinal,
em firme alicerce de casa velha ou no cimentar
desse amor que brota em cada noite de natal,
sem que ninguém, na rotação lenta da terra,
dê por isso, na dúvida do que a palavra encerra
e, assim, poder dormir de novo descansado
por mais um ano, não visível ainda no horizonte,
sem que haja um fito a conduzir-nos ao lado
dos pecadores que, como deuses, se saciam na fonte
e proclamam libertações, céus e até a salvação,
mesmo que esta permaneça invisível e inalcançável
nas pradarias, onde os homens não sabem por que vão,
mas partem e tudo perdoam no seu destino amável.
São filhos de outros eras e não acreditam em milagres.
São guerreiros, viajantes, construtores, os que Sagres
mandou para o mundo, reis magos de outras missões.
Não buscam estrelas, ultrapassaram batalhas, mares
e até tempestades, pela liberdade destruíram prisões
e castelos, souberam na pedra nua erguer os lares
em que assentaram uma pátria, com hino e bandeira.
E eis Dezembro. Vem meu amor. Dorme, à minha beira.
José António Gonçalves
(Funchal, 17.12.04)
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