INSUBORDINADO
Não contarei silabas, amor meu
Por que não conto beijos quantos dou
Acentuação nem sei onde ocorreu
É desse jeito que me lanço em voo
Farei assim, mas nem de longe ao teu
Esta canção triste jamais sonhou
E, tal poema, desgraçado ateu
Um personagem que sequer amou
Não te ofereço o fel deste poema
Sequer belos brilhantes refulgentes
Do mais esplendoroso diadema
Insubordinação é meu dilema
Ainda que clamem sisudos lentes
À poesia satisfaz o tema
***
Por falar em insubordinação e exceção, coloco esta nota abaixo, pois pecado tanto faz grande, médio ou pequeno. E se alguém gosta de sair do traçado, nada tenho contra, pois também aprecio. Este texto que você lê acima queria ser um soneto, mas a insubordinação venceu.
MODELO 1: CAMONIANO PAR
Com quatro rimas, é de todos o mais belo e difícil. Quanto menos rimas,
mais versos na mesma rima. Portanto, um complicador a mais desafiando a
habilidade do poeta. O exemplo mais clássico (em decassílabo heróico) é
o 19 de Camões, rimando em ABBA ABBA CDC DCD, que Vinicius também
praticou magnificamente:
SONETO 19 [Camões]
Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.
Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente,
Que já nos olhos meus tão puro viste.
E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor, que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te;
Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.
SONETO À LUA [Vinicius de Moraes]
Por que tens, por que tens olhos escuros
E mãos lânguidas, loucas e sem fim
Quem és, que és tu, não eu, e estás em mim
Impuro, como o bem que está nos puros?
Que paixão fez-te os lábios tão maduros
Num rosto como o teu criança assim
Quem te criou tão boa para o ruim
E tão fatal para os meus versos duros? (*)
Fugaz, com que direito tens-me presa
A alma que por ti soluça nua
E não és Tatiana e nem Teresa:
E és tampouco a mulher que anda na rua
Vagabunda, patética, indefesa
Ó minha branca e pequenina lua! (*)
(*) Observe-se que o icto HERÓICO (sexta e décima sílabas) não é
necessariamente mantido em todos os versos: tal como fizera Camões em
outros momentos, Vinicius abre aqui duas exceções para o verso SÁFICO,
acentuado na quarta, oitava e décima sílabas.
http://www.elsonfroes.com.br/sonetario/modelosonetos.htm