POEMA A UM AMIGO
Estou nessa cidade.
Sim, nessa, porque sempre estou distante.
Aqui também não há concordância gramatical.
A gramática daqui é uma estúpida
norma de se inclinar.
Tento respirar para acelerar
a minha decomposição ideológica
mas a tirania vertical que há nas coisas
me domina como se eu não me movesse.
Saio. Mas não sou forte para derrubar nenhum muro.
Meu filho aprenderá lições de tirania
e não se incomodará com a sub-condição da vizinhança.
Meu cão vigiará quem insistir
em querer atirar contra o sistema.
Meu melhor braço dará golpes em nome da lei.
A cidade dorme feliz com a proteção paterna
de seus donos.
Os entulhos se organizarão para não desuniformizar
a beleza do reino.
O jardim do rei será cuidado quatro vezes por dia
e à noite os súditos colocarão vigias
por conta própria.
Os mudos se saudarão para bendizer a majestade.
Estou nessa cidade.
Me sinto um criminoso por tramar contra a ordem natural.
No palácio, o rei e os príncipes dão suas gargalhadas.
Sobre nós recai a saliva da alegria real.