POEMA A UM AMIGO

Estou nessa cidade.

Sim, nessa, porque sempre estou distante.

Aqui também não há concordância gramatical.

A gramática daqui é uma estúpida

norma de se inclinar.

Tento respirar para acelerar

a minha decomposição ideológica

mas a tirania vertical que há nas coisas

me domina como se eu não me movesse.

Saio. Mas não sou forte para derrubar nenhum muro.

Meu filho aprenderá lições de tirania

e não se incomodará com a sub-condição da vizinhança.

Meu cão vigiará quem insistir

em querer atirar contra o sistema.

Meu melhor braço dará golpes em nome da lei.

A cidade dorme feliz com a proteção paterna

de seus donos.

Os entulhos se organizarão para não desuniformizar

a beleza do reino.

O jardim do rei será cuidado quatro vezes por dia

e à noite os súditos colocarão vigias

por conta própria.

Os mudos se saudarão para bendizer a majestade.

Estou nessa cidade.

Me sinto um criminoso por tramar contra a ordem natural.

No palácio, o rei e os príncipes dão suas gargalhadas.

Sobre nós recai a saliva da alegria real.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 19/03/2010
Código do texto: T2147456