O TEMPO
Existem tempos que ficam atracados nos nossos cais,
e outros que fugirão dele feito cão sarnento.
Existem tempos que nos reviram do avesso,
e outros que fazem nossas veias fugir de suas raias.
Existem tempos que a gente traz para o colo,
e outros que seus fiapos nunca se cansam de doer, espremer e metralhar.
Existem tempos que enxaguam as nossas almas com plena paciência,
e outros que estilingamos pra depois das amarras do infinito, bem depois.
Existem tempos que rituam as nossas passagens,
e outros que cicatrizam aquele torpor calado e nunca ouvido.
Existem tempos que trazemos embebidos de suor sagrado,
e outros que pisamos até estraçalharmos o seu último fiapo de paz.
Existem tempos que dão orgulho de acarinhar as suas penas,
e outros que catarramos até os nossos pulmões se fartarem de sorrir.
Existem tempos que mexem com os porões do nosso orgulho,
e outros que não servem nem para xepa do nosso lixão derradeiro.
Existem tempos que sabem tudo da gente,
e outros que nunca serão capazes de nos reconhecer, ou mesmo acenar de longe.
Existem tempos que dilaceram sentidos com toda energia,
e outros que nunca se fartarão de surrupiar os rebentos de nossa alma.
Existem tempos que um dia levaremos para dormir, e até amar,
e outros que, por certo, serão os arremates solenes da nossa própria solidão.