MISERÊ
Latas, latrinas, viradas de um momento
cozidas em fogo-sol, servidas como almoço.
Gente vivendo pelos confins da paciência
quase sempre exportando paciência.
Num monturo de variedades
faz a feira, concorrendo clandestinamente
a uma vaga de vivedor.
Gente que se vira, com uma procissão de filhos
que seguem juntos a peregrinação obrigatória.
Choram num colo inquieto
tendo nos olhos do cão seu mais fiel concorrente.
Fome e homem se esgoelando
num espetáculo de um ato só.
Mãe Miséria sempre a acompanhar
com a música do rompimento da criação a tocar
acordando novos irmãos.
Miserê, maldição entrando e não saindo.
Da lição ficou apenas uma mão pedindo pão.
Nos olhos, a ciência da fome de desenhando.
Nas manchetes, o eterno ato de repetir:
moleque de pátria, sempre com fome.
Homem cerimonial
saco miserê nas costas
roupa um pão na esquina
põe na conta do diabo e se vai.
Seus filhos não entendem o porquê
de receber uma fome caninana como herança.
Caminhos, lápides da vida marginal,
pinturas rupestres em todas as paredes
há sempre na sacola um quilo de boa esperança.
O mundo é grande, rende uma vida de caminhada
tem milhões de esquinas e uma legião de seguidores.
Fome que como home.
Nada a ser servido é o cardápio atual
do self service do mundão.
Mesquinharia de indivíduos
vagamente castigando os esquinatários
restos mortais da nação.
Homem miserê não se contenta
depois da Lei Áurea virou eunuco
contando a dinastia
procurando a religião de se comer.