MISERÊ

Latas, latrinas, viradas de um momento

cozidas em fogo-sol, servidas como almoço.

Gente vivendo pelos confins da paciência

quase sempre exportando paciência.

Num monturo de variedades

faz a feira, concorrendo clandestinamente

a uma vaga de vivedor.

Gente que se vira, com uma procissão de filhos

que seguem juntos a peregrinação obrigatória.

Choram num colo inquieto

tendo nos olhos do cão seu mais fiel concorrente.

Fome e homem se esgoelando

num espetáculo de um ato só.

Mãe Miséria sempre a acompanhar

com a música do rompimento da criação a tocar

acordando novos irmãos.

Miserê, maldição entrando e não saindo.

Da lição ficou apenas uma mão pedindo pão.

Nos olhos, a ciência da fome de desenhando.

Nas manchetes, o eterno ato de repetir:

moleque de pátria, sempre com fome.

Homem cerimonial

saco miserê nas costas

roupa um pão na esquina

põe na conta do diabo e se vai.

Seus filhos não entendem o porquê

de receber uma fome caninana como herança.

Caminhos, lápides da vida marginal,

pinturas rupestres em todas as paredes

há sempre na sacola um quilo de boa esperança.

O mundo é grande, rende uma vida de caminhada

tem milhões de esquinas e uma legião de seguidores.

Fome que como home.

Nada a ser servido é o cardápio atual

do self service do mundão.

Mesquinharia de indivíduos

vagamente castigando os esquinatários

restos mortais da nação.

Homem miserê não se contenta

depois da Lei Áurea virou eunuco

contando a dinastia

procurando a religião de se comer.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 11/01/2010
Código do texto: T2023004