RUA-SERTÃO-ACIMA

RUA-SERTÃO-ACIMA

Em tarde de escasso ar,

reina Febo de cabelos d’ouro

naquela rua-sertão.

O Coração do Céu,

sentado entre as nove Musas,

armado de flechas infernais,

por frestas do batente,

visando um coração dor-mente em “kamára”,

dardejou-lhe raios de sol,

lançando-o, assim, em desdouro.

Então, naquela rua-sertão,

fez-se um dia, longos dias,

eternos dias

todos os dias,

em meio ao sertão dos dias.

E ele, o coração exilado, junto a tantas simpatias,

buscava se apartar, procurava se libertar

da fúria do deus da divinação.

Em vão, porque fôra apartado pelos raios ofuscantes,

tornara-se puro espírito solitário, não-mais solicitado,

de tudo tão-distante.

E na desconsolação dos infelizes,

laçado em apartamento

remoto,

num sombrio primeiro andar,

põe-se, então, a relembrar dos passos fugidios

do belo rosto

pós-gritos mundanos, agudos, pós-uivos desenganados

atirados pelo amor adúltero.

É que o Profeta - o que tudo vê, o Censor do Intelecto, o Olho do Céu

tomara posição,

revelando aos homens toda relação.

E assim é tecida a lenda do ódio e do ciúme.

Primeiro andar, fonte de infortúnios.

Lira...

Luto...

Leto flutuante encontra seu abrigo,

e o desafortunado delira...

O apartado a gemer então implora:

_ Oh, Calíope! a ornada com grinaldas,

por Himeneu, Iálemo e

Orfeu!

Mantenha o primeiro lugar

dentre as Musas, faz brilhar a coroa de ouro

neste coração em desdouro!

E depois, com o estilete, fere mortalmente tal coração que escarnece a qualquer rival!

Golpeado por Apolo,

o humano coração a sonhar,

conjugado à câmara por Esplendente, em sonho distante,

o apartado, em agonia ardente,

num longínquo primeiro andar,

num tão-sombrio primeiro andar,

nega-se a re-contracenar

junto ao inumano ser de belo rosto, de ar majestoso,

de eterna juventude,

que lhe fez não-ser,

que lhe fez perecer

naquela remota rua-sertão.

Fez-se um dia, fizeram-se uns dias, tantos dias, além d’outros...

E, em meio ao sertão-dia de um certo dia,

o apartado ali despertou;

e vestido a andrajos,

com vagarosos e vigorosos passos,

tudo então

abandonou

rua-sertão-acima

de uma, de outra, além d’outras...

SÍLVIO MEDEIROS

Campinas, é inverno de 2006.