ESPERANDO O PRÓXIMO TREM
As verdades da alma são recantos pontiagudos,
fadas que cutucam os confins do que entendemos como gente,
fomes que seduzem as vísceras do que julgamos por certo,
ou por perto.
São estopins dos quais pouco retemos, muito sublimamos, tanto amamos,
quando nos deparamos nús e afogados, o que resta são pedaços do que fomos um dia, se é que fomos algo em algum dia,
quando nos sacudimos sem pena, o que presta são os tocos de fé que untamos nossa razão, dengos e desejos.
Conheço muito dessa farsa, dessa lama que nos embebeda a cada fosso que aprumamos como leito de amor,
conheço muito desses enroscos que nos fazem dançar feito loucos até o dia se calar e se desprender da noite,
conheço muitos desses órfãos de mim que sempre vão querer ir à forra, ou à fralda.
Os ventos são galhos vadios que embalamos e embalsamos ao bafo tosco do medo,
o sangue não mais escorre feito ontem, não mais sacia feito amanhã,
o gozo que ainda resta é um réquiem ressacado num copo vazio de bar, ou num cuspe que levamos na cara sem o menor pudor.
Mas ainda há luz, nem tudo que nos resta são pedregulhos ou tumores cheios de energia, fogo ou coalhada fé,
mas ainda há barrigas para colocarmos nossas sementes e delas gerarmos nós mesmos, quem sabe o melhor de nós mesmos,
mais ainda há mãos para balançarmos ao vento tentando simular um terno adeus, ou quem sabe um eterno Deus.
E agora, nessa estrada que pouco sei, mas tanto sei,
nesse vazio de estômago que nem mais fome é,
nessa solidão que se esvai pelas frestas do horizonte sem olhar mais para trás,
eu me vejo menino de novo, querendo que a prorrogação do meu tempo seja menos mesquinha, ou menos maninha,
mas a lei não se curva, nem se turva com agrados ou folguedos de arlequim. Ela não recebe troco, nem afago tosco.
E então, amigo, só nos resta esperar o próximo trem,
que, como bem sabemos, nunca vai chegar.